O uso irregular da cota de gênero nas eleições municipais de 2024 gerou uma onda de cassações de mandatos, trazendo à tona problemas estruturais e éticos no sistema eleitoral brasileiro. Até o início de 2025, dez vereadores eleitos haviam perdido seus cargos por comprovada fraude na inclusão de mulheres em chapas eleitorais, e mais de cem casos semelhantes seguem em análise na Justiça Eleitoral, segundo informações do jornal O Globo.
A cota de gênero, estabelecida pela Lei nº 9.504/1997, exige que no mínimo 30% das candidaturas sejam ocupadas por mulheres, com o objetivo de ampliar a representatividade feminina na política. No entanto, diversas investigações revelaram que partidos políticos têm utilizado a regra de forma irregular, inscrevendo candidaturas fictícias ou “laranjas” para cumprir a exigência legal, sem intenção real de que essas mulheres participem da disputa.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem intensificado os esforços para coibir essas práticas. Em um caso emblemático de 2024, o plenário do TSE confirmou que o Partido dos Trabalhadores (PT) em Cururupu, Maranhão, cometeu fraude à cota de gênero nas eleições de 2020. De acordo com comunicado oficial do tribunal, foi comprovado que mulheres foram inscritas como candidatas apenas para preencher a cota mínima, mas não realizaram campanha ou tiveram votos significativos, evidenciando a irregularidade.
Além das cassações, os envolvidos podem enfrentar sanções mais severas, como a proibição de disputar novas eleições e a responsabilização de dirigentes partidários. No entanto, o impacto político dessas fraudes vai além das penalidades legais. Como apontado pelo Brasil de Fato, em alguns casos, vereadores que haviam sido cassados por fraude em eleições anteriores retornaram à disputa em 2024, evidenciando falhas no sistema de fiscalização e na aplicação de penas efetivas que inibam essas práticas.
A polêmica em torno das fraudes à cota de gênero também reacendeu o debate sobre os desafios de promover uma maior inclusão das mulheres na política. Especialistas apontam que, embora a regra de cotas seja fundamental para aumentar a representatividade, sua eficácia depende de mecanismos mais robustos de fiscalização e apoio efetivo às candidaturas femininas. Muitos partidos ainda enfrentam dificuldades para criar condições reais de competitividade para mulheres, recorrendo a práticas ilegais para atender aos requisitos legais.
Os casos de fraude também levantaram questionamentos sobre o uso de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário, que reservam uma porcentagem específica para candidaturas femininas. Em muitas das fraudes investigadas, os valores destinados às mulheres foram desviados para financiar candidaturas masculinas, ampliando ainda mais a gravidade das irregularidades.
A repercussão das cassações e o número crescente de investigações em andamento mostram que a Justiça Eleitoral tem buscado endurecer sua atuação frente às fraudes, mas também evidenciam a necessidade de reformas estruturais para fortalecer a democracia e garantir a efetiva participação feminina na política brasileira. O debate segue em curso, envolvendo parlamentares, especialistas e a sociedade civil na busca por soluções mais eficazes e justas.